O TESD foi representando no V Fórum Mundial Ciência e Democracia, realizando no âmbito do Fórum Social Mundial 2018, na Universidade Federal da Bahia, em Salvador, pela doutoranda Josemari Poerschke de Quevedo. A pesquisadora do grupo de pesquisa realizou a conferência online "Participação Pública em Nanotecnologia", no dia 13 de março, junto com pesquisadores latino-americanos e europeus. As demais conferências podem ser conferidas aqui.
Para finalizar os debates sobre ciência, tecnologia e democracia, a plenária final apontou como resultados o texto que segue abaixo e está disponível neste link.
Considerações da Plenária Final do V Fórum Mundial de Ciência e Democracia
Nós, participantes do V Fórum Mundial de Ciência e Democracia (FMCD), nos reunimos nos dias 14 e 15 de março de 2018 em Salvador (Brasil) para dar continuidade aos encontros de atores da sociedade civil comprometidos com a democratização da ciência. Esses encontros vêm ocorrendo no marco do Fórum Social Mundial (FSM) desde 2009. Com o objetivo de promover um debate qualificado, tivemos a oportunidade para um intercâmbio internacional de experiências, saberes e estratégias de atuação no campo da coprodução duma ciência democrática, descolonial e emancipatória.
Este ano, a quinta edição do FMCD contou com a presença de participantes de Reino Unido, Peru, Itália, França, Estados Unidos, Espanha, Brasil, Argentina, Argélia e Alemanha, de forma presencial e virtual, trabalhando em mesas redondas e debates, refletindo criticamente sobre como a democracia está presente ou ausente nas distintas dimensões que compõem as relações entre ciência, tecnologia (ou tecnociência, como preferem e argumentam vários dos colegas presentes no V FMCD) e sociedade. A seguir, expomos algumas das considerações manifestadas e debatidas entre os participantes.
Questionamos o Código de Ética recentemente apresentado no Fórum Econômico de Davos, explicitando a tensão que ele estabelece com os princípios de uma outra ética – solidária e emancipatória – compartilhada e impulsionada no âmbito do FSM. Especialmente, criticamos a ideia de que as pesquisas tecnocientíficas sejam consideradas individuais e isoladas do sistema político e da sociedade em geral nas quais estão inseridas, pretendendo-se neutras e em procura da verdade. Rejeitamos, em particular, a tendência da política pública de fomentar de modo crescente a sua realização em benefício da inovação empresarial voltada para o mercado. Consideramos que é preciso aprofundar o debate conceitual sobre ciência, tecnologia (ou tecnociência) e as éticas implícitas nos seus diferentes significados.
Afirmamos que a responsabilidade pelas implicações éticas, sociais, econômicas, ambientais e políticas da pesquisa tecnocientífica não pode ser apenas individual, das/dos pesquisadoras/es que a realizam mas, também ou até principalmente, dos governos e das organizações públicas e privadas envolvidas. Razão pela qual chamamos a atenção para a necessidade de um amplo debate no âmbito da comunidade de pesquisa e com a participação do público sobre seus objetivos, usos, destinos e implicações. Sublinhamos o papel específico de cientistas e engenheiros nos esforços sociais e políticos para proteger e expandir os bens comuns.
Há uma crise nos nossos mecanismos democráticos existentes, que não tratam adequadamente as questões complexas sobre a coprodução entre a tecnociência e a sociedade e que têm conseqüências de longo prazo. Necessitamos mecanismos que respeitem o princípio democrático fundamental de que todas as vozes cidadãs e das comunidades tradicionais, indígenas, campesinas tenham paridade participativa.
Os integrantes da comunidade de pesquisa e da comunidade dos engenheiros, técnicos e demais trabalhadores da ciência devem usar o conhecimento tecnocientífico para construir um diálogo público, informar sobre as incertezas, riscos e limitações dos conhecimentos envolvidos no processo de tomada de decisão que orienta a política pública e ajudar na avaliação democrática e inclusiva das suas implicações. Além disso, enfatizamos o seu papel de resistência frente aos esforços de grupos de interesse privado para orientar esse processo em seu benefício. Apontamos a criminalização, perseguição e isolamento de pesquisadores e cientistas que se manifestam de modo independente dos interesses privados, por denunciar os riscos associados a tecnologias e modelos de produção e consumo por eles impostos – direta ou até subliminarmente – à população.
Afirmamos que as ações visando ao engajamento do público com a ciência não podem servir para uma divulgação ou propaganda da tecnociencia. Devem servir, isto sim, para a produção coletiva de saberes que atenda às demandas prioritárias das necessidades sociais (alimentação, moradia, trabalho digno, educação) e para a defesa dos direitos fundamentais, sociais e ambientais. Alertamos sobre a apropiacao da ciência cidadã para fins de lucro privado.
Denunciamos a privatização da educação superior e a precarização das suas trabalhadoras e trabalhadores pelos governos conservadores que vêm ocorrendo em vários países em função da retomada do receituário neoliberal. Defendemos a autonomia universitária para a atualização democrática das suas práticas emancipatórias. Rejeitamos o desmonte e privatização dos sistemas públicos de ciência e tecnologia e a apropriação privada dos resultados de pesquisas feitas com fundos públicos, o regime de propriedade intelectual que privatiza o acesso ao conhecimento que surge do comum/público, como mercadoria.
As decisões sobre políticas de e para a ciência e tecnologia (tecnociência) não devem estar reservadas apenas aos cientistas e acadêmicos mas sim incluídas nas estruturas de governança dos assuntos públicos e coletivos, especialmente aqueles relacionados com mudanças climáticas, energia, água, transgênicos e agrotóxicos, nanotecnologia e biotecnologia. Denunciamos a prática autoritária e excludente que outorga a comissões tecnocráticas a função de aconselhamento e regulamentação desses assuntos que tiram da esfera pública o poder de decidir para entregá-lo a expertos que, muitas vezes, possuem conflitos de interesse e até conexão comprovada com corporações privadas. Também sugerimos a concepção de outros procedimentos e protocolos que impeçam que novas tecnologias sejam incorporadas sem participação e debate público.
Refletimos criticamente sobre a situação das trabalhadoras e trabalhadores frente à chamada 4a revolução industrial. Alertamos sobre a relação entre as tecnologias emergentes e suas convergências – moldadas pela dinâmica de exploração da fronteira tecnocientífica global pelas grandes corporações – com o mundo do trabalho. Em particular, denunciamos a precarização das condições de saúde e segurança, a flexibilização laboral, a perda de postos de trabalho e de renda. Alertamos para os impactos negativos relacionados com a transferência para a periferia de atividades produtivas de baixa agregação de valor (processo de reprimarização) e de alto impacto ambiental (exploração de recursos naturais, inclusive água).
Alentando esse espaço de articulação altermundista do FSM e de nosso FMCD, ressaltamos a necessidade de promover a expansão de debates e iniciativas de ação pública visando à solidariedade internacional de nossas lutas com estudantes, pesquisadores e professores de territórios ocupados como os da Palestina, ou em países onde eles sofrem forte repressão governamental, como a Turquia.
Endossamos o apelo de Dacar da Federação Mundial de Trabalhadores Científicos (WFSW) aos cientistas de todos os países para que se comprometam com a preservação do sistema terrestre e de todos os bens comuns da humanidade e, em cooperação, contribuam para a consecução destes objetivos e, mais amplamente, para o desenvolvimento de um movimento internacional capaz de alcançá-los.
Reiteramos a importância de se conceber a própria ciência enquanto bem comum, que a ética da pesquisa e da utilização de seus resultados tecnocientíficos tenha o interesse comum como eixo de orientação e atuação. A ciência é vital para nossas sociedades e para a comunhão dos bens comuns, tanto físicos como sociais. Por esse caminho, ressaltamos a necessidade de atuação política nas instituições e redes de ensino e pesquisa, pela democratização da produção, acesso, definição de prioridades e regulação da ciência e tecnologia, a fim de orienta-las contra as injustiças e desigualdades estruturais da sociedade.
Salvador, 15 de março de 2018
Comitê Executivo do V FMCD
Mauricio Berger, Paulo Fonseca e Paulo Martins
Contribuiram diretamente para a elaboração deste texto:
Arline Arcuri- Tsouria Berbar- Edgard Blaustein- Marc Delepeuve- Renato Dagnino- Philipe Bourdien- Valery Lilette– Marijane Lisboa– Maria Jose Malheiros– Raimundo Ribeiro- Raquel Rigotto– Jean-Marc Rio- Fernando Rivera- Jorge Pontes